Além das habilidades, da vida incrível, de seu oportunismo, persistência, genialidade, cultura, talento, empreendedorismo, também vi sua derrocada, que veio com a idade e a frustração por ter perdido a fortuna e não ter podido aproveitar a própria fama em vida.
Tinha uma enorme habilidade não apenas de seduzir, mas de fazer amigos por onde passava. Tornou-se, rapidamente, amigos dos artistas do teatro, dos boêmios, dos soldados e policiais que tentavam prendê-lo, de príncipes, abades, imperadores, duques, cortesãs. Tirava proveito de todos. Mas nunca se recusava a ajudar um amigo em apuros, ou uma dama em dificuldades. Ao mesmo tempo que era um grande aproveitador, também era generoso e cavalheiro.
A turbulenta vida de Casanova.
por Alfredo de Musset.
Nunca ficaram, por acaso, atrás de uma vidraça, espiando num dia de chuva os cavalos de um carro, parados durante horas a fio, na porta de alguma casa, resignados e pacientes? Só o chicote do dono, pode pô-lo em movimento.De cabeça baixa, tristemente maltratados pelas gotas que caem, dá até tristeza olhar. Pensar que um animal tão nobre se resigna a este estado. E se os, compararmos, com os cavalos de corrida, tão orgulhosos, olhos vivos, patas flexíveis e ligeiras? O que deduzimos ao ver-mos os dois? Ambos são animais da mesma espécie? Sim, porém de sangue diferente, apesar dos músculos e da estrutura serem semelhantes.
Um pertence às gerações sofredoras e que gemem em silêncio, amarrados a uma mesma pedra, que há-de ser o seu túmulo. O outro assemelha-se mais ao aventureiro de capa e espada, que entrega a sua vida ao destino, ao acaso, como uma pena ao vento. Qual dos dois, tem melhor noção da vida? E porquê?
Cada um pode servir de tipo, a uma classe enorme de indivíduos da espécie humana. O primeiro representa os indivíduos tímidos, medrosos, e sempre agarrados às pedras, no mar da existência. O segundo, os que agitam os braços com audácia, e se lançam às ondas. É claro, que nem para todos, os ventos são favoráveis.
Da primeira classe, saem os pequenos comerciantes, os empregados, os clérigos,as donas de casa, os poetas medíocres; da outra, os guerreiros, os aventureiros, os grandes artistas, os homens do mundo.
Jacques Casanova, nasceu em Veneza no século XVIII, chegou a ser o homem mais célebre daquele século. O dr. Gall, encontrou no seu crânio características que distinguem os cérebros dos imperadores. A actividade, o vigor,a intrepidez, o arrojo são os seus elementos. Não só ele jamais hesitou, como jamais pensou que pudesse hesitar. Infelizmente nasceu numa baixa esfera social e dali, lutando contra as circunstâncias, foi subindo. De oficial passou a seminarista, a violinista e assim tudo que lhe aconselhava a sua irrequieta imaginação. Foi mais do que tudo, o primeiro e o maior dos grandes aventureiros.
Para conhecê-lo bem, vamos analisar o seu livro, que é o mesmo que analisar a sua vida. Nele escasseia a razão, a religião e a consciência muito mais. Solucionava os factos com delicadeza, tratava as mulheres apaixonadamente. No jogo era extremamente feliz. Passeou pelo mundo todos os seus caprichos e as suas loucuras, mas voltando sempre a Veneza. Esteve nos jardins do papa, como religioso; remou para as marquesas, bateu-se pelas bailarinas; era um mosqueteiro terrível; quando gran-senhor, era generoso e correcto.
Aqueles que admiram Benevenuto Cellini, devem admirar Casanova. Entre os dois há uma grande semelhança, ambos foram uns mentirosos empedernidos, com esta diferença: Cellini mentia as três quartas partes do seu tempo e Casanova mentia até para si mesmo.
Muitos, quando se fala de Casanova, levantam os ombros ligeiramente: — Bah! um homem que não vale nada. — No entanto, é um erro fundamental.
Isto é verdade: não aconselharia às pessoas, que gostam do sentimentalismo alemão, que abrissem o seu livro: porque ele é um homem do Meio-dia. O amor é uma planta que o sol amadurece de acordo com os diferentes países e segundo a obliquidade dos seus raios, e dá ao coração do nosso aventureiro um estranho carácter.
Seus arrancos amorosos, são impulsivos e fogosos. Que diria o bom Werther, das curiosas declarações de Casanova? Que opinião teria ele de uma paixão desordenada; sem gosto e sem política? Sim, também sem timidez. Mais que uma paixão italiana, pareceria um ódio espanhol.
«…porque eu amo-te - disse Casanova, a uma Henriqueta — de tal forma, que se prometes ser minha, fico aqui. Ou por outra, ficamos aqui, porque se fugires, considerar-me-ei o homem mais desgraçado, só em pensar que poderás ter um outro amante, um marido, ou mesmo, que te vais encontrar com a tua família… Esqueçamos! é uma palavra fácil de pronunciar; Escuta formosa Henriqueta, se o esquecimento é possível para um francês, para um italiano como eu é impossível…
Enfim, minha senhora, apenas espero que me respondas sim ou não. Se devo ficar ou se devo partir. Se os teus lábios dizem que sim, ficarei aqui até enquanto me ordenares. Se é não, o que os teus lábios perversos vão pronunciar, apesar de não acreditar nisto, porque eles só foram feitos para os beijos, amanhã mesmo partirei para Nápoles, sem poder nunca esquecer a paixão que me inspirastes…»
Assim como era para o amor, era apaixonado nos seus ódios. Os seus duelos terminavam sempre ou por ferimentos graves ou com a morte do adversário. Porém o mais interessante, é que depois do primeiro momento, passada a sua fúria, compadecia-se do ferido. Por causa dum desses duelos, foi parar à prisão de Plombs, em Veneza.
Quase um volume inteiro, da sua obra, é consagrado para narrar a fuga deste homem extraordinário da famosa prisão de Plombs, e todo ele é interessantíssimo. Não é possível dar-se uma ideia do assunto neste pequeno resumo. Mesmo em Paris, amava à moda veneziana. Assim também quanto às suas vinganças. Tudo isto, nos seus livros, formam capítulos interessantes e encantadores.
Testemunho do Wikipedia...São muitas as edições das memórias de Casanova, que já foram feitas. Alguns que se encarregam de recopiá-las, suprimiram partes da sua vida, que não consideraram apropriadas para o público. Contudo eu acho que todas elas são legíveis e dignas de serem conhecidas. São admiravelmente sinceras e revelam urna vida extraordinária, jamais até hoje igualada. Para isso, seria preciso que nascesse outro Casanova.
Giacomo Girolamo Casanova (Veneza, 2 de abril de 1725 - Dux, Boémia, 4 de junho de 1798) foi um escritor e aventureiro italiano.
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